Andrea Ladislau

Assédio ou brincadeira?

O que é o assédio e o que ele tem a ver com a sua saúde mental

Por causa do carnaval, o mês de fevereiro sempre nos traz diversas campanhas sobre a higiene pública, sobre o uso de camisinha e, principalmente, sobre o assédio. Agora, a folia foi embora junto com o feriado e precisamos retornar à nossa rotina de trabalho, mas a conscientização em relação a esses temas deve permanecer o mês de março, ou melhor, o ano todo em nossas mentes.

Hoje escolhi falar sobre o assédio e quais são suas possíveis consequências para a vida do agressor e para a saúde mental da vítima, porque o assédio pode estar presente em qualquer lugar, mas costuma marcar presença, principalmente, no local de trabalho.

Então, como identificar quando a intimidade entre os colegas de trabalho passa dos limites e ultrapassa a barreira de uma simples brincadeira ou descontração para ser um assédio moral, psicológico ou até sexual? Para descobrir como, vamos primeiro falar o que vem a ser o assédio.

O que é assédio?

Assediar é o fato de expor o indivíduo a situações de constrangimento e/ou humilhações. O constrangimento e a humilhação em alguns casos podem estar associados ao ambiente de trabalho da pessoa, que acaba sendo exposta a situações hierárquicas autoritárias e sem simetrias, permeadas de relações desumanas, sem ética, negativas e psicologicamente prejudiciais ao trabalhador.

Como identificá-lo?

Muitos confundem o assédio como sendo apenas violências realizadas através de piadas, críticas, insultos, ameaças, enfim… mas não é só isso, o assédio pode estar vinculado à pressão excessiva, a uma proposital sobrecarga de tarefas, imposições de horários absurdos, isolamentos, instruções imprecisas, que podem induzir ao erro, exposição da pessoa, e também a utilização do seu poder de liderança para assediar sexualmente um parceiro de trabalho ou inclusive constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Olhando com um olhar mais apurado e cuidadoso para o assédio, sexual ou moral, que é praticado no local de trabalho, podemos afirmar que é um processo deliberado de perseguição, mesclado por atos repetitivos e, sobretudo, prolongados. Constata-se nele o objetivo de humilhar, constranger, inferiorizar e isolar o alvo, seja ele quem for no grupo social. Portanto, se devidamente comprovado, não só o subordinado, mas também o superior são passíveis de receber indenização, caso seja vítima dessa violência.

Pesquisas apontam que 42% dos trabalhadores brasileiros já sofreram ou sofrem algum tipo de assédio no mundo corporativo hoje. Um número extremamente expressivo e que pode acarretar consequências psicológicas e sociais em quem passa por este tipo de violência. O assédio é toda e qualquer conduta abusiva de gestos, palavras, escritos, comportamentos, atitudes, etc. que, de forma intencional e frequente, venha a ferir a dignidade e integridade física e psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho, seja de forma direta (através de insultos, acusações, gritos, humilhações públicas e exposição do outro ao ridículo), ou mesmo de forma indireta (através de isolamentos, fofocas, propagação de boatos, recusa na comunicação, exclusão social, acuamento sexual, propostas indecentes, etc.).

Receber uma crítica, um insulto, um elogio exagerado e carregado de malícia, e em seguida o autor da ação se retratar com desculpas, pode parecer descaracterizar o assédio, mas isso está longe de ser verdade. É importante ficar atento a quaisquer violências sofridas, mesmo que tenham ocorrido apenas uma vez.

Afinal, é assédio ou brincadeira?

Primeiro, temos que observar se a ação é repetitiva e está gerando constrangimento e angústia na vítima. A questão deixa de ser uma brincadeira quando está carregada de mau gosto, de um caráter vexatório, que acaba fazendo com que a pessoa não se sinta mais confortável naquele ambiente, não tenha mais vontade de produzir ou não tenha mais saúde mental para realizar qualquer uma dessas atividades.

Em alguns casos, a violência é tão grave que o profissional perde a vontade de levantar da cama para cumprir seu horário de trabalho, pois lembra-se do ambiente, do que pode vir a sofrer naquele dia e com isso alguns sintomas começam a se desenvolver. São eles: depressão, síndrome do pânico, ansiedade excessiva, medo generalizado, estresse, distúrbios bipolares e alterações de humor. Danos e violência de natureza psicológica que atentam contra a dignidade psíquica do indivíduo, por meio de ações das mais diversas, compreendendo gestos, palavras e atitudes, que humilham, degradam e atingem reiteradamente a vítima, visando desestabilizá-la, isolá-la ou eliminá-la do local de trabalho.

Estou sofrendo assédio?

Se as “brincadeiras” (ou mais especificamente, a violência, porque é o que o assédio é de fato) no local de trabalho estão causando em você sensações e sentimentos como, crises de choro, dores generalizadas, palpitações, tremores, sentimentos de inutilidade, insônia ou sonolência excessiva, depressão, diminuição da libido, sede de vingança, aumento da pressão arterial, dores de cabeça frequentes, distúrbios digestivos, tonturas, ideia de suicídio, falta de apetite, falta de ar, necessidade de fuga para a bebida. Enfim, se o ambiente de trabalho lhe causa mais de um destes sintomas, as investidas não devem ser consideradas como “brincadeiras”. Elas são, sim, assédio, pois causam desconforto e exposição vexatória, isso quando não causa o afastamento do trabalho para tratamento de saúde, uma vez que a vítima de assédio trabalha com medo, acuada, estressada, abatida, confusa, intranquila, insegura, sem possuir, portanto, saúde mental em condições ideais para que desempenhe adequadamente as suas funções. Esse quadro adverso afeta o trabalhador e reduz a sua produtividade. Aumentando também as tensões dos relacionamentos interpessoais.

O que fazer, então?

Ao perceber que está passando por um processo de assédio no trabalho, a vítima deve tomar algumas medidas, como anotar, com detalhes, todas as humilhações e investidas sofridas: dia, mês, ano, hora, local, nome do agressor, testemunhas e conteúdo das conversas; dar visibilidade às situações, procurando a ajuda de colegas que testemunharam ou que sofrem as mesmas humilhações ou constrangimentos; ou que possam perceber que existe também, além de moral, uma conotação sexual no contexto. Evitar conversas particulares com o agressor e agente do constrangimento.

Enfim, devemos estar atentos às situações nas quais somos envolvidos em nosso cotidiano corporativo. Como vimos, nem sempre uma simples brincadeira é uma simples brincadeira. Se ela for repetitiva e causar danos morais e mentais, como os citados, não tenha dúvidas de que está sofrendo assédio. E, infelizmente, seja em empresas pequenas ou grandes, isso é muito comum acontecer. Bem verdade que, em empresas menores, o assédio pode ser facilitado pelo fato de que a intimidade pode ser maior entre as pessoas e, desta forma, a intimidade vai ultrapassar os limites do permitido. A falta de respeito, falta de sensibilidade e empatia são certamente pilares utilizados por estes assediadores, seja ele de qual tipo for, moral ou sexual.

Busque ajuda, comente com as pessoas mais próximas o que está acontecendo, buscando assim apoio e testemunhas possíveis. Calar-se não é a melhor estratégia. A ajuda profissional de um psicólogo ou psicanalista será de suma importância para que você perceba que não está sozinho e, mais que isso, conquiste sua autoestima, seu amor próprio e enxergue que nada vale mais que sua saúde mental ou seu equilíbrio físico e emocional. Não se deixe adoecer pelas atitudes do outro.

Passamos muitas horas de nosso dia dentro do local de trabalho rodeado de outras pessoas que, naturalmente, possuem crenças, valores, sonhos e desejos, divergentes dos nossos. Por este motivo é muito importante buscar a harmonia nas relações e nos ambientes em que estamos. Desta forma, podemos viver mais felizes e com mais consciência de nosso papel neste universo corporativo.

Dra. Andréa Ladislau, psicanalista.

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