Andrea Ladislau

COVID-19: o inimigo além dos olhos para os deficientes visuais

Em tempos de COVID-19, o desafio vai um passo além dos olhos, tornando o risco à vida dos deficientes visuais duas vezes maior.

O grupo de vulneráveis, em risco de contaminação pela COVID-19, abriga uma população bastante limitada, com restrições na vida autônoma e social: os deficientes visuais ou pessoas de baixa visão. Naturalmente, eles já criam mecanismos de adaptação para conseguirem sobreviver em meio à escuridão, por isso a grande maioria só conhece o mundo através da visão do outro ou por alguma pouca memória.

O auxílio dos sentidos remanescentes como a percepção, o olfato, o paladar, a audição e o tato é fundamental para que o universo se torne perceptível a este indivíduo. Desafiado diariamente, o deficiente aprende a carregar suas restrições. Mas o momento atual traz agora um inimigo invisível que limita o tato, seu instrumento mais eficaz na visualização do mundo. E é aqui que os problemas e a exposição ao contágio por coronavírus começam.

A fragilidade dos deficientes visuais perante o coronavírus

Para reconhecer os locais e as pessoas, os deficientes visuais lançam mão da exploração tátil. Apalpam o rosto para identificar o outro; tocam o corrimão, as paredes, objetos e bancadas dentro de uma dinâmica sensorial. As mãos, portanto, são utilizadas como principal ferramenta de identificação em substituição aos olhos.

A bengala, sua companheira diária, também tornou-se uma aliada perigosa e suscetível à transmissão do coronavírus, pois encosta no chão e nas superfícies, carregando bactérias e outros perigos.

A baixa visão de alguns faz com que levem, com frequência, material escrito muito próximo ao rosto; outro grande perigo, além da dependência de terceiros para se locomover, que contribui para o aumento do risco de contágio.

Desta maneira, o deficiente visual, por suas limitações naturais, precisa de um cuidado maior ao higienizar as mãos, a bengala, os óculos, bancadas e superfícies. Importante evitar o contato e não sair de casa, pois a certeza da segurança e a eficácia da limpeza dos objetos de apoio para locomoção, não são garantidos.

Empatia: a aliada contra a COVID-19

Não ver as belezas do mundo através dos olhos faz parte do cotidiano dos deficientes visuais, por isso, através da empatia, ele enxerga o outro e o que está à sua volta. É nesse sentido, espelhando esse indivíduo tão especial, que ressalto que estamos sendo obrigados a enxergar o universo sob outra perspectiva.

A COVID-19, essa doença silenciosa, mostra que o mundo está além do que se vê. O confinamento social e a incerteza do amanhã exigem que o olhar tenha mais empatia e que seja voltado aos detalhes, mais criativo e cuidadoso, alimentando nossa mente com pensamentos valiosos e produtivos.

É neste instante que temos a oportunidade de aprender com a empatia, com essa sensibilidade tão intrínseca aos deficientes visuais, a não colocar óculos em ninguém: não forçar o outro a ver através de seus olhos. O ser humano é um agente ativo na sociedade, produto e produtor de seu ambiente e de sua história, e essa crise de hoje é uma chamada para o desenvolvimento da empatia, para a construção de um olhar de gratidão que traga a perseverança por dias melhores com o fim da pandemia da COVID-19.

Dra. Andrea Ladislau, psicanalista.

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