Andrea Ladislau

2020: o ano que ficará marcado na história

Uma reflexão sobre nossos momentos, valores e lições aprendidas em 2020, o ano que ficará marcado na história

O final do ano vem se aproximando e é natural que iniciemos reflexões sobre nossos momentos, nossas conquistas e nossas perdas ao longo desses 365 dias. E com 2020 não será diferente. Mas existe um elemento, neste ano em especial, que causa em milhares de pessoas um desejo eminente de esquecimento: a pandemia. Estamos vivendo um ano indescritível. Para muitos, ele já terminou antes de seu fim, terminou praticamente logo após ter iniciado. O ano de 2020 terminou quando o vírus COVID-19 se instalou e assolou todo o mundo. 

Após tantos meses e com o ano chegando ao seu final, é natural sentirmos um misto de sensações, como a ideia de finitude, emoções afloradas, a esperança pelo que o novo pode nos trazer de bom, com a entrada em uma nova fase da vida, além de angústias pinceladas de melancolia, saudosismos e depressão. A famosa depressão de fim de ano chega, decorrente de uma sensação de tristeza por relembrarmos traumas passados ou um grande estresse ao longo dos últimos 365 dias. E, em 2020, especialistas em saúde mental acreditam que essa depressão poderá ser ainda mais avassaladora.

O estresse pós-traumático provocado pela pandemia, associado a perdas de milhares de pessoas, certamente, irá proporcionar transtornos psíquicos jamais vistos em anos anteriores. É nesse momento de reta final de um ano que, naturalmente, paramos para realizar reflexões sobre as nossas conquistas e nossas perdas ao longo dos meses. Nos enchemos de alegria com as transformações vivenciadas e conquistas alcançadas, mas sentimos a frustração de expectativas que fracassaram. Aumentamos a nossa culpa interna para tentar justificar projetos ou metas em que não obtivemos o resultado esperado. Por isso, para muitos, o fim do ano assume muito mais um aspecto depressivo e triste do que festivo.

A pandemia do novo coronavírus, colocou os seres humanos em quarentena, paralisando o planeta. Decretou o distanciamento social e o isolamento, em que cada um deveria ficar em suas casas, e fez com que o mundo vivesse algo inexplicável e sem precedentes. A saúde psicológica da maioria das pessoas foi devastada, pois está diretamente ligada aos seus direitos de posse e às suas liberdades. Ao tirar uma ou as duas, as pessoas se desintegram emocionalmente. E é o que temos visto, já que estatísticas mostram um aumento considerável dos casos de transtornos mentais em função dos últimos acontecimentos. E, para a grande maioria, a atmosfera de esperança e sonhos de fim de ano vem adquirindo um aspecto mais pessimista. Querem apenas o término de 2020. Querem deletar da memória todo um ano, mesmo que isso seja impossível de ser feito.

Entretanto, é muito radical dizer que é um ano perdido. Um ano que deve ser cancelado ou que não deveria ter existido. Tivemos, sim, atrasos e retrocessos. Muitos projetos ficaram estacionados. No entanto, 2020 também nos apresentou transformações e adaptações em todos os campos da vida. Não podemos negar que foi um ano de grandes aprendizados. Aprendemos a incluir,, em nossos dias um novo modo de viver. Apesar das graves consequências sociais e emocionais da pandemia, estamos vivenciando gestos mais solidários. Pessoas que antes não olhavam para o lado, resolveram se mexer e ajudar, de alguma maneira, seu próximo. 

O caos mostrou um novo jeito de viver que, por meio das redes sociais e do on line, nos aproximou mais das pessoas que amamos e das quais, por vezes, estávamos distantes. Idosos estão mais incluídos nas tecnologias e o contato foi facilitado por um mundo virtual que tomou novas proporções. Artistas se reinventaram para levar sua arte para a população, assim como médicos e profissionais de saúde mental também aderiram à telemedicina, proporcionando mais conforto e segurança aos seus pacientes. A colaboração com o próximo nunca foi tão intensificada.  Exemplos empáticos se espalharam pelo mundo. A mudança na relação de higiene e cuidado, para se evitar doenças e promover uma melhor qualidade de vida, também se destaca dentro das novas rotinas. Portanto, um dos pontos fortes foram as soluções encontradas para suportar o isolamento social estimulando a criatividade, o que demonstra que podemos adaptar a nossa capacidade de enfrentamento conforme o desafio proposto.

Percebemos, a duras penas, que o decreto das prioridades e o modo operandis da comunicação global, sofreram alterações drásticas. Estamos aprendendo a planejar horários e a desconstruir a necessidade de aceleração, parâmetros de uma nova realidade trazida pela pandemia. Nossa capacidade em ser resiliente está sendo colocada à prova a todo momento. Estamos sendo desafiados a fortalecer nossa percepção de mundo para que, assim, possamos lidar melhor com nós mesmos. Constatamos, da pior maneira, que não temos o controle sobre nada. Descobrimos um novo universo que exige do indivíduo muito mais sanidade e equilíbrio, sem fugir da realidade, conciliando mundo interno com mundo externo de forma saudável. 

Em nossas reflexões do fim do ano de 2020, é muito importante levar esses pontos em consideração. Olhados por outra ótica, muitos hábitos adquiridos em tempos de pandemia trouxeram a consciência do senso de urgência, o decreto das prioridades e a potencialização do senso de coletividade como estratégias de contribuição para a evolução humana. Esses tempos difíceis contribuíram também para a aceitação e o reconhecimento dos nossos próprios limites, fortalecendo, assim, as relações interpessoais, trazendo ao consciente as aplicações do senso de pertencimento, da comunicação e da união, excelentes aliados na proteção de nossa sobrevivência física e mental. 

Portanto, 2020 não pode ser considerado um ano perdido. Não devemos cancelar 2020. Não podemos negar que 2020 mostrou-nos um mundo diferente. Estamos num momento histórico, desafiador, inimaginável e inesquecível, que marcará para sempre a todos que o vivenciaram. É fato que o ser humano se transformou, se não a todos, ao menos à sua grande maioria. Nosso novo modo de ver o mundo tem promovido a valorização dos detalhes e a busca por escolhas mais conscientes. Podemos administrar melhor essa sensação de impotência, que faz parte da condição humana, e fortalecer nossas esperanças em relação ao amanhã.

Que possamos unir todos os aprendizados dos últimos meses e transformá-los em lições, entendendo que, apesar de tudo, podemos gerenciar nossas emoções e promover o nosso bem-estar, levando, para o próximo ano, as mudanças de hábitos e os novos posicionamentos, que tem nos feito ser mais fortes, mais empáticos, mais cooperativos e menos imediatistas. Que possamos, assim, valorizar mais os pequenos detalhes, os afetos e, dentro da evolução humana, acrescentar ingredientes apimentados de harmonia, leveza e, principalmente, responsabilidades, resgatando a esperança da chegada de um novo ano cheio de oportunidades, conquistas, com a chancela da plena certeza do nosso papel e dos nossos valores.


Dra. Andrea Ladislau, psicanalista.

Deixe um comentário